Recentemente, o cinema francês perdeu outro ator da velha guarda. Para além de ser considerado um dos maiores atores franceses de todos os tempos, Alain Delon foi um ícone da beleza masculina, um homem verdadeiramente lindo, possuidor de um olhar profundo, cheio de magnetismo. Vingou profissionalmente, atingindo rapidamente o estrelato no cinema francês e europeu, e, a título pessoal e sentimental, foi loucamente amado, por diversas mulheres, também elas belas e maravilhosas musas.
Com tantos atributos, Alain Delon teve uma longa e preenchida vida, tendo falecido aos 88 anos. Surpreendentemente, quando um jornalista lhe perguntou, há alguns anos, o que pediria, se tivesse a possibilidade de um último desejo, o ator respondeu que gostaria de ver os pais juntos, pelo menos uma vez, pois estes separaram-se quando ele tinha apenas 4 anos, facto que contribuiu para que o ator tivesse conhecido uma infância difícil e problemática.
Fiquei a refletir sobre este pedido inusitado de alguém como Alain Delon. O ator nada pede em termos de carreira (entrar num filme específico, trabalhar com um determinado realizador, contracenar com este ou com aquele ator ou atriz, ter uma carreira em Hollywood...), não pede mais fama ou projetos desafiantes, nem sequer a oportunidade de rever o seu grande amor, a atriz Romy Schneider...Alain Delon, que tudo teve, tudo experimentou, tudo viveu, afinal, na fase madura da sua vida, só queria voltar a saber o que é ser filho e viver a experiência de se sentir, novamente, um menino, uma criança, no seio de uma verdadeira e aconchegante família...
Confesso-me sensibilizada com este testemunho de Alain Delon que, de certa forma, reforça a minha convicção de que os adultos não têm a necessidade, nem a obrigação de fazer filhos, mas os filhos, esses, precisam, obrigatoriamente, de ter uma família. Por isso a questão da parentalidade é tão importante, por isso, a opção de não se ter filhos é tão válida como a de os ter ou de os adotar. Ser pai, ser mãe, é, na maior parte dos casos, uma escolha, uma decisão que, embora pessoal, implica um enorme sentido de responsabilidade para com outro ser humano, que não pediu para nascer, mas que alguém colocou neste mundo. O dom de dar a vida é algo maravilhoso, mas deve ser, em qualquer circunstância, o assumir de um real compromisso para com a criança, assegurando as suas necessidades básicas e essenciais, mas também cuidando, educando, formando, orientando, apoiando, sobretudo amando-a, de forma incondicional.
“Grande é a poesia, a bondade e as danças… Mas o melhor do mundo são as crianças”, já dizia Fernando Pessoa. Subscrevo as palavras do poeta (às quais acrescento que grande também é a música, o vinho, as flores, os gatos e os cães...), pois considero que elas, as crianças, são o nosso bem mais frágil, mas de longe o mais valioso, elas são o futuro da humanidade, e por essa razão, também devem ser o tesouro mais protegido, por todos.
Há instituições que substituem a família quando esta não existe ou se encontra debilitada ou desestruturada, incapaz de assegurar o bem-estar das crianças. São locais onde se tenta proporcionar a vivência numa comunidade, com características semelhantes a uma família. Não sendo o ideal, na minha opinião, pois nada se iguala a uma verdadeira família, são um recurso útil e muito necessário, realizando um trabalho assaz importante quando os pais não conseguem exercer o seu dever de parentalidade.
Por outro lado, o conceito de família tem sofrido algumas alterações, sendo que, a par da família tradicional, existem atualmente outras formas de família, com igual capacidade para acolher, criar e amar uma criança, mesmo que o assunto permaneça, ainda, bastante polémico.
Seja como for, julgo que devemos manter o foco no que verdadeiramente interessa para a felicidade das crianças. A noção de pertença a uma família, os laços que nela se criam, as vivências e as memórias que se vão construindo são fundamentais: uma infância feliz reflete-se, forçosamente, na plenitude da vida adulta.
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