Era uma casa mal arranjada, sem tecto, sem nada
Alguém dizia, há dias, numa conversa a decorrer ao meu lado, que o que dava era ser desgraçado e viver num bairro social.
-Havias de ver : os apartamentos têm chão flutuante, janelas basculantes e agora a Câmara colocou novos esquentadores com gás canalizado. Qual bairro social? Prédios bem isolados, com capoto, jardim. Sim senhor, vivem melhor que tu ou eu...
Ora, como o assunto não era comigo, não me meti na conversa, mas fiquei a remoer para dentro as palavras que gostaria de ter dito.
Por exemplo, que ser desgraçado nunca é bom e que viver honestamente do seu trabalho conseguindo ter e proporcionar à sua família uma vida confortável é uma sensação muito boa, que muita gente gostaria de sentir, mas não consegue. Gostava de lhe ter dito que quem melhorou esse bairro social, independentemente do seu partido político, é alguém que está muito à frente , alguém que percebeu que todas as pessoas devem ser tratadas e viver com dignidade, mesmo que num bairro social.
Filha de emigrantes, também eu vivi uma parte da minha infância num bairro social, em França, nos anos 70. Curioso é que, já nessa altura, o meu prédio tinha todo o conforto, inclusivamente aquecimento central e uma varanda ampla. Foi esse aconchego que manteve os meus pais e tantos outros casais estrangeiros com as suas famílias em França, de outra forma, teriam regressado a Portugal. Mas a França precisava de gente, de crianças para encher as suas escolas, de mulheres para as suas fábricas e de homens, de força braçal, para construir e fazer o país crescer.
A França acolheu, integrou, eles ficaram. E quando, por fim, os meus pais voltaram para Portugal, lá ficaram os filhos mais velhos e, mais tarde, os netos, num país que também é deles e para a riqueza do qual também eles contribuíram, com o suor do seu trabalho, devolvendo, na mesma moeda, o bem recebido.