Aquele post de Natal
Este ano, a ceia de Natal foi em minha casa.
Aos usuais quatro, associou-se o meu irmão mais velho, que me faz sempre lembrar o meu pai, por ser o mais parecido com o nosso "velhote". Esse irmão, que passou a vida praticamente toda em França, escolheu a aldeia natal para gozar a sua merecida reforma. Estando só, juntou-se a nós nesta noite.
Chegou, qual pai natal, carregado com prendas para os miúdos e com sacos enormes, recheadinhos de coisas boas, caseiras e biológicas: a troncha para a ceia, laranjas e limões, salsa fresquinha, cebolas, marmelada feita pela minha tia e outras iguarias da aldeia...
(Sempre que recebo estas maravilhas, penso na sorte que tive em passar parte da minha infância na aldeia dos meus pais. Aí, recordo o poema do grande Fernando Pessoa, o do sino da aldeia que, em tardes calmas, soa na sua alma distante, trazendo-lhe a saudade de um passado feliz... Poeta citadino, até Pessoa sentia saudade de uma aldeia que só tinha em sonho... Como ignorar o que de mim ainda é aldeia?)
Decidi, então, que faria uma ementa natalícia fiel aos nossos hábitos, mas com um toque de modernidade: como entrada, fiz uma belíssima salada de polvo e a acompanhar a tradicional troncha cozida, bem regada a azeite e vinagre, confecionei um bacalhau com broa e batatas a murro.
( Já o disse: tenho uma relação estranha com o Natal, é o meu espírito inquieto e inconformado que, ao invés de se vestir de vermelho e de luzes, viaja até outro tempo, à cozinha da aldeia, onde a minha mãe, colada ao fogão, prepara os bolos de massa tenra, a aletria, as filhós e os meus tios, (seus irmãos), passam para dar dois dedos de conversa e beber um portinho:
Então comadre? Como estamos?
Olha, aqui de roda dos tachos. Prova lá um bolinho de bacalhau. Os da tua Ana são bons, mas olha que estes não ficam atrás!
Pois claro, aprendeste com ela! )
O meu irmão fez uma cara estranha: então não fizeste as batatas e o bacalhau cozido? O meu rosto mais estranho ficou: olha, mano, decidi manter a ementa, mudando um pouco, até porque os miúdos não apreciam lá muito as batatas e o bacalhau assim, só cozidos...Pois, mas não é a mesma coisa, retorquiu ele.
O jantar correu bem. A casa bem decorada, a mesa farta e tudo muito apetitoso...Os miúdos trataram da loiça, o meu irmão regressou a casa e eu sentei-me no sofá procurando (em vão) alguma coisa de interesse na televisão.
A noite de Natal, a mais bela e longa noite do ano, que me trouxe de volta as badaladas do sino da minha aldeia, estava, mais uma vez, a chegar ao fim. Espreitei os meus filhos, reacendi a vela ao menino e servi-me de um porto.
Sei que nada será como dantes (como bem o recordara o meu irmão, também ele saudosista de um passado irrepetível), mas a visão dos meus filhos, os meus tesouros, os meus amores, assim crescidos, lindos e divertidos, fez-me crer, outra vez, na magia do Natal: um Natal feito de muitas saudades, é certo, mas também de amor incondicional, de afeto, de união, de fé, de esperança num futuro onde, a par da história por escrever, haverá sempre um sino "dolente na tarde calma", lembrando e homenageando os que, já não estando, estarão cá, para sempre, juntinhos ao nosso coração...
À nossa!