Que me lembre, só tive uma boneca na minha infância. Era uma espécie de Nenuco, (mas dos baratos), com uma abertura nas costas, onde repousavam umas quatro pilhas que lhe permitiam dizer umas frases, sempre as mesmas e das quais já não me lembro. Quando me fartei daquela conversa, cortei-lhe o cabelo loiro à escovinha e desenhei-lhe uns riscos na cara, pelo que a boneca foi parar ao chão, a um canto do meu quarto, o olhar azul esguelha virado para o soalho, e eu continuei com as minhas brincadeiras na rua, com os meus amigos de bairro.
Acho que nunca fui de bonecas.
Por falar em bonecas, vi (finalmente) o filme Barbie. Não é tão mau como parece, pensei, ao recordar-me dessa minha boneca e das que comprei para a minha filha, essas já Barbies verdadeiras ( ou imitações, quando as finanças não permitiam devaneios...)
Margot Robie encarna na perfeição o papel da Barbie estereotipada: uma boneca perfeita, vivendo uma vida igualmente perfeita, num mundo sem defeitos. Tudo está previamente definido para que nada perturbe a tranquilidade da vida destas bonecas e bonecos, onde cada um sabe e aceita o seu papel, o seu lugar... Não há reflexões, dúvidas, questionamentos ou discórdia, apenas uma direção, um rumo, igual para todos e todos são felizes neste universo cor-de rosa...
Afinal, há muito para dizer deste filme, aparentemente simples e inocente, com o propósito de entreter crianças (?) e adultos.
Muito se tem falado da igualdade e dos papéis de género, ultimamente, e o assunto tem vindo a ganhar cada vez mais importância, à medida que vão caindo alguns estereótipos e se começa a aceitar e a respeitar o que é "diferente" do que estamos habituados a ver e conhecer.
Sair da sua cidade, no interior norte do país, e mergulhar numa cidade grande, permite a observação de um manancial de pessoas, com estilos e modos de ser e de estar na vida muito distintos.Viajar, é sair do seu minúsculo casulo e ousar compreender o mundo, na sua diversidade. Viajar é, portanto, uma oportunidade de chegar muito perto do seu entendimento. Viajemos, então!
A Barbie deste filme escolhe ser mulher, sujeitando-se, sem drama, a essa condição. Ao invés de permanecer uma boneca de plástico, eterna e bonita, ela quer uma vida própria, que possa escolher e viver, ela mesma. Esta Barbie abdica de uma vivência perfeita, optando pela imperfeição de possuir um corpo de mulher, com direito a rugas, cabelos despenteados e brancos, a estrias, celulite, olheiras e borbulhas, com dores de período e de parto... Esta Barbie não quer ser apenas uma cara bonita, mas sem graça: ela deseja ter uma profissão, traça o seu caminho e faz por viver a sua vida de forma intensa...
Esta metamorfose, não é pacífica nem fácil, encontrando a nossa Barbie vários obstáculos à sua transformação, mas a sua decisão é definitiva e irreversível: a Barbie será quem ela quiser ( e não o que alguém definiu que ela fosse...)
Gostei da bravura desta Barbie e, sobretudo, admirei a sua vontade de ser mais do que um corpo ou um rosto giro, bem como apreciei a sua ânsia de querer vencer por si própria e não crescer à sombra de um qualquer Ken, escolhendo ser a protagonista e não uma personagem secundária da história... Com esta Barbie eu jogava à bola, na minha rua, mais os meus amigos de bairro.
![barbie.webp]()
https://www.infomoney.com.br/consumo/filme-barbie-ultrapassa-us-1-bilhao-em-bilheteria-na-3a-semana-apos-lancamento/