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Pezinhos de lã

Pezinhos de lã

Uma questão de civismo

Passei uns dias de férias no Gerês.  Não conhecia e adorei os locais que visitei, embora tenha chegado à conclusão de que o mês de agosto não é o mais indicado para o tipo de turismo que eu tinha em mente: emaranhar-me no silêncio verde da Mata de Albergaria, realizando passeios tranquilos; dar lugar à introspeção e à observação da beleza deste mundo, singelamente depositada num carvalho alvarinho, num salgueiro branco ou num melro das rochas; fechar os olhos e escutar apenas o murmúrio de uma das muitas cascatas escondidas no meio do bosque... Esse era o meu inocente desejo, mas a realidade foi bem diferente, em virtude de ser agosto, o mês em que muita gente ruma ao Gerês, sendo que nem todos procuram o mesmo: eu procurava calma e sossego, outros querem emoção e adrenalina e há aqueles que nem sequer sabem ao que vão...

No Miradouro da Pedra Bela, a perspetiva que se tem, lá do alto, é estonteante. A paisagem que se observa do espelho de água ladeado por montes, árvores, pedras, estradas e povoações, parece irreal, mágica: ficamos como que suspensos naqueles segundos em que o nosso olhar procura percorrer cada metro da paisagem que ali se nos oferece ( já tinha dito que este mundo é belo?). Olha-se devagar, como que a duvidar de que estamos ali, perante um cenário tão perfeito, tão idílico, e procura-se registar na retina aquela incrível visão, para que lá fique impressa e nunca se desvaneça . E depois, claro, é necessário um momento para sair do céu e voltar à terra, para nos recompormos de tanto... Todavia, já o dissemos, nem todos querem o mesmo e, estando eu no momento de saída do transe em que me encontrava, por conta da experiência vivida, eis que me deparo com dois grupos de turistas ruidosos, sem respeito pelas pessoas que, como eu, falavam em voz baixa, num tom quase inaudível. Convém aqui lembrar que em vários locais da mata encontramos painéis informativos a solicitar o silêncio dos visitantes, para não perturbar os animais que aí vivem: nem assim.

Adoro o meu país e tenho muito orgulho em ser portuguesa, mas considero que, no geral, o português não lida bem com a disciplina, com as regras. No que toca a competências sociais, nomeadamente de civismo, ainda há muito a fazer. Comparei a atitude de turistas estrangeiros, que se encontravam nesse mesmo local, com os turistas portugueses: os primeiros, mal se dava por eles, enquanto que os outros nada queriam com a discrição: tiravam dezenas de fotos, em poses diversas, falavam aos berros uns para os outros, repetiam a mesma piada várias vezes para garantirem que todos a tinham ouvido e riam-se das suas próprias piadas, sem respeito por quem estava ali à procura de tranquilidade, de comunhão com a natureza, que só em lugares assim se encontra.

Estes, (pensei), vêm ao Gerês sem terem a noção do sítio para onde vão: como se fossem para um arraial popular!  Nada contra ir a festas da aldeia, eu também as frequento e gosto da energia que ali se encontra: a música, as gargalhadas, o "conjunto", as pessoas a dançar, as farturas, a procissão e as bandas de música que a acompanham, os foguetes e os Zés-Pereiras... Está tudo certo, mas cada momento, cada lugar tem os seus próprios códigos que nós, portugueses, ou pelo menos muitos de nós, temos problemas em seguir.

Vivemos num tempo estranho, em que tudo se confunde e quase nada se respeita. Vivemos obcecados connosco próprios, concentrados nas nossas vontades e nas nossas necessidades.  Falta-nos empatia, respeito pelo outro, sentido de grupo, em última instância, carecemos de civismo.

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https://www.tripadvisor.pt/Attraction_Review-g1514529-d7895801-Reviews-Miradouro_da_Pedra_Bela-Geres_Braga_District_Northern_Portugal.html

Alain Delon e o desejo de voltar a ser criança

Recentemente, o cinema francês perdeu outro ator da velha guarda. Para além de ser considerado um dos maiores atores franceses de todos os tempos, Alain Delon foi um ícone da beleza masculina, um homem verdadeiramente lindo, possuidor de um olhar profundo, cheio de magnetismo. Vingou profissionalmente, atingindo rapidamente o estrelato no cinema francês e europeu, e, a título pessoal e sentimental, foi loucamente amado, por diversas mulheres, também elas belas e maravilhosas musas.

Com tantos atributos, Alain Delon teve uma longa e preenchida vida, tendo falecido aos 88 anos. Surpreendentemente, quando um jornalista lhe perguntou, há alguns anos, o que pediria, se tivesse a possibilidade de um último desejo, o ator respondeu que gostaria de ver os pais juntos, pelo menos uma vez, pois estes separaram-se quando ele tinha apenas 4 anos, facto que contribuiu para que o ator tivesse conhecido uma infância difícil e problemática. 

Fiquei a refletir sobre este pedido inusitado de alguém como Alain Delon. O ator nada pede em termos de carreira (entrar num filme específico, trabalhar com um determinado realizador,  contracenar com este ou com aquele ator ou atriz, ter uma carreira em Hollywood...), não pede mais  fama ou projetos desafiantes, nem sequer a oportunidade de rever o seu grande amor, a atriz Romy Schneider...Alain Delon, que tudo teve, tudo experimentou, tudo viveu, afinal, na fase madura da sua vida, só queria voltar a saber o que é ser filho e viver a experiência de se sentir, novamente, um menino, uma criança, no seio de uma verdadeira e aconchegante família...

Confesso-me sensibilizada com este testemunho de Alain Delon que, de certa forma, reforça a minha convicção de que os adultos não têm a necessidade, nem a obrigação de fazer filhos, mas os filhos, esses, precisam, obrigatoriamente, de ter uma família. Por isso a questão da parentalidade é tão importante, por isso, a opção de não se ter filhos é tão válida como a de os ter ou de os adotar. Ser pai, ser mãe, é, na maior parte dos casos, uma escolha, uma decisão que, embora pessoal, implica um enorme sentido de responsabilidade para com outro ser humano, que não pediu para nascer, mas que alguém colocou neste mundo. O dom de dar a vida é algo maravilhoso, mas deve ser, em qualquer circunstância, o assumir de um real compromisso para com a criança, assegurando as suas necessidades básicas e essenciais, mas também cuidando, educando, formando, orientando, apoiando, sobretudo amando-a, de forma incondicional.

“Grande é a poesia, a bondade e as danças… Mas o melhor do mundo são as crianças”, já dizia Fernando Pessoa. Subscrevo as palavras do poeta (às quais acrescento que grande também é a música, o vinho, as flores, os gatos e os cães...), pois considero que elas, as crianças, são o nosso bem mais frágil, mas de longe o mais valioso, elas são o futuro da humanidade, e por essa razão, também devem ser o tesouro mais protegido, por todos.

Há instituições que substituem a família quando esta não existe ou se encontra debilitada ou desestruturada, incapaz de assegurar o bem-estar das crianças. São locais onde se tenta proporcionar a vivência numa comunidade, com características semelhantes a uma família. Não sendo o ideal, na minha opinião, pois nada se iguala a uma verdadeira família, são um recurso útil e muito necessário, realizando um trabalho assaz importante quando os pais não conseguem exercer o seu dever de parentalidade.

Por outro lado, o conceito de família tem sofrido algumas alterações, sendo que, a par da família tradicional, existem atualmente outras formas de família, com igual capacidade para acolher, criar e amar uma criança, mesmo que o assunto permaneça, ainda, bastante polémico.

Seja como for, julgo que devemos manter o foco no que verdadeiramente interessa para a felicidade das crianças. A noção de pertença a uma família, os laços que nela se criam, as vivências e as memórias que se vão construindo são fundamentais: uma infância feliz reflete-se, forçosamente, na plenitude da vida adulta.

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