Autobiografia- José Luís Peixoto
AUTOBIOGRAFIA
Pilar bem dizia que o leitor deste livro estava avisado ao que ia. Mas eu quase me perdi neste ambicioso enredo...
Um jovem escritor, José, assume a difícil tarefa de escrever a biografia de um grande escritor, que admira e com quem se cruzou há anos, Saramago. Porém, este jovem escritor, iniciante ainda nos meandros da escrita, vive apavorado e dividido entre a escrita desta biografia e a do seu segundo romance, que todos aguardam ansiosamente.
Ao longo deste jogo desesperante, pois o leitor observa e vivencia o drama íntimo de José, vão surgindo outras gentes, com nomes e histórias a lembrar personagens de outros livros de Saramago, que se movimentam neste palco, trazendo à luz os seus fantasmas e as chagas das suas vidas.
O vício do jogo, o abuso do álcool, a violência, uma cegueira repentina e inexplicável, o terror e a necessidade do segundo romance, a amizade verdadeira, o pai ausente, a mãe demente, a cadela, Cabo Verde, o cancro e o amor...
A dada altura, o leitor percebe o segredo: afinal Saramago é José, José é Saramago. E Saramago é o escritor, mas também uma personagem da história contada... E em José, encontramos Peixoto? -pergunto eu. ("Toda a obra literária leva uma pessoa dentro, que é o autor" - José Saramago).
Este cruzamento de narrativas e de personagens, em planos muitas vezes indistinguíveis ( "porque em literatura tudo é possível" ), chega a confundir o leitor, mas é também um grande e desafiador exercício de leitura.
Por isso, Autobiografia é tudo, menos uma biografia de Saramago, acaba por concluir o leitor. Ela é, antes, uma mescla de biografias, são os encontros e os desencontros do jovem escritor José consigo próprio, com a sua vida, com o seu mestre e com as outras pessoas que vivem neste livro. São reflexões sobre os anseios e os medos que, afinal, são de todos, reflexões sobre as decisões difíceis e tantas vezes erradas que tomamos ao longo das nossas vidas. É o sentir-se deslocado, perdido, falhado, o "estorvo", o falhado (o egoista?). Mas Autobiografia é também sobre recomeços, novas oportunidades, é sobre encontrar caminhos e voltar a escrever, voltar a viver...
Entra-se em Autobiografia e sai-se diferente. É a beleza, o encanto e a mestria da escrita de Peixoto, presente em cada página. É a literatura ao seu mais alto nível...